segunda-feira, 27 de julho de 2009

As pessoas só pensam naquilo

Cinéfilos diagnosticados convergem as córneas à projeção da imagem nos quase cinqüenta metros quadrados horizontalmente distribuídos. Perfilados lado a lado nas mais de trezentas poltronas, seguram nas mãos os tradicionais pacotes de pipoca e copos de refrigerante. Recomendações comuns e corriqueiras dadas, apagam-se as luzes de segurança e a sessão inicia. Vício dessa vez alimentado que se acentua quando se ouvem notícias de novas produções cinematográficas em cartaz.
Sessão esgotada como todas as outras cinco ao longo do dia e os promotores de evento do shopping põem-se a contabilizar a arrecadação recorde. São mais de vinte e cinco mil reais de viciados assistindo à série “Arquivo-X”, protagonizada por David Duchonvy e aprovada pelo público e pela crítica.
Onde há justificativa plausível para o sucesso da série? O ator norte-americano interpreta um sexólatra que pensa em pornografia vinte e quatro horas por dia. A sexolatria é uma patologia de viciados compulsivos por sexo. Uma legião de viciados. Um distúrbio psiquiátrico que causa dependência excessiva de praticar relações sexuais. A abstinência causa entre outras doenças, a depressão. Não bastasse o papel nas telas de cinema, os cinéfilos souberam que Duchovny de quarenta e oito anos apenas interpreta um dilema antigo, de quase onze anos, na sua vida. Voluntariamente ou não, esteve mais de mês na clínica de reabilitação “The Meadows” no Arizona(EUA) pressionado pela esposa, a atriz Tea Leoni que ameaçou recorrer ao divórcio caso não procurasse ajuda para conter esses estímulos sexuais.
Há uma justificativa. Identificam-se com o personagem. Sim, porque noventa e nove por cento dos pobres terráqueos vivem as suas vinte e quatro horas do dia nas mesmas condições do ator. É óbvio, e talvez com intensidade ainda maior. Ou você leitor pretende julgar minhas palavras como calúnia ou heresia? Heresia porque sexolatria é pecado.
O quotidiano não permite porque se pudessem homens e mulheres, ou homens e homens, ou mulheres e mulheres, sejam quais forem os formatos poriam as roupas abaixo vivenciando eternos orgasmos múltiplos ao ponto da exaustão física, da troca, entrega e doação mútuas em instantes de delírio numa explosão de calor, de prazer e do líquido pastoso e esbranquiçado. Um êxtase sem escrúpulos até que ambos os corpos, ou mais que apenas ambos, sejam consumidos pelo odor, sem cor, sem forma, sem nada, aliás, literalmente sem nada e que isso evapore como se não houvesse ocorrido coisa alguma propiciando o reinício num ritmo constante e eterno.
A afetividade entre os terráqueos apenas existe entre pais e filhos, e padrinhos e afilhados, porque as demais relações apenas coexistem para que pratiquem o instinto selvagem herdado de nossos ancestrais, instaurando a cultura da pornografia desenfreada, patrocinada e incentivada pela publicidade nos mais diversos veículos de comunicação de massa que atendem aos interesses mercadológicos sem ética e estética e promove a pornografia no patamar de terceiro negócio mais lucrativo do mundo.
Coexiste como pupilos da serotonina, dopamina e noradrenalina, substâncias neurotransmissoras do cérebro que conduzem uma célula nervosa ou neurônio para outra e geram um sentimento inigualável e inenarrável de satisfação.
Mesmo numa poltrona confortável, meditando com meus próprios parafusos, degustando aquela pipoca entre os dentes e aquelas cócegas do gás do refrigerante, impunha com os choques dos meus neurônios uma revolta descomunal contra o sexo. Toda anedota que ouço envolve sexo. Como se não houvesse piadas engraçadas sem que o citasse. Todo garoto de quinze anos acessa sites de sexo. E culpa os malditos hormônios pelos incontroláveis desejos. Todo adulto que se preze põe na ponta do lápis a tabelinha que o indica quando praticar sexo. E espera ansiosamente por esse dia. As pessoas só pensam nisso. É uma mulher que passa e o homem, ou outra mulher, deseja tê-la na cama. É um homem que passa e a mulher, ou outro homem, deseja tê-lo na cama. O sexo não é como lavar as mãos, uma prática diária. Sexo é como reveillon, uma prática anual.
Que exista menos adultério, menos casamentos prejudicados e menos relações jogadas ao vento por causa de um vício prazeroso de pouco mais de cinco segundos. Sem moralismo farisaico e impiedoso conselho antissatânico lanço sete pacotes de pipoca e cinco copos de refrigerante que escondi abaixo da poltrona sobre a platéia, corro a mais de cem por hora do shopping e sou algemado pelos seguranças. Os civis punham meus pobres cinqüenta e seis quilos atrás das grades como mártir da sociedade moderna ou deslocam os mesmos quilos à sexta sepultura do cemitério municipal junto de outros restos mortais de insanos como eu.

Wellington Nardes

14 comentários:

Eduardo Silveira disse...

Bem, acho que não comentei seu texto ainda de forma completa. Estou com voce na sua crítica principal: a banalização do sexo. De fato, tal idéia está enraizada na nossa cultura, de forma que - como vc disse - quase tudo gira em torno dos atos sexuais. A pornografia cada vez mais oprime o erotismo, que é muito mais interessante.
Entretanto, acho que para essa questão é válido um meio termo: assim como o sexo não deve ser tratado como única razão de viver, também não deve ser como um reveillon, uma vez por ano. Acho até dificil imaginar essa cena: isso ocorrendo com todas as pessoas. Eu não sei, sou mais liberal, pois acredito na afetividade entre os sexos opostos. Afetividade sincera, que inclui em suas relações, o sexo. O sexo não como tudo. Mas como uma parte, ao lado de tantas outras, dessa relação.
Apesar das ressalvas, concordo sem titubear: sociedade óbvia e fútil, que na sua maioria, só pensa naquilo.
Abraço

Robson disse...

Nossa sabe que seu textos são fantásticos e concordo com o Eduardo na sua ultima frase. E Welligton já sou seu fã. :)

Solano Knoblauch disse...

A prática do sexo é considerada como uma forma de status entre as pessoas e talvez o núcleo tenhamos herdado dos nossos ancestrais animais irracionais, porém, todavia, contudo, entretanto, (Ediene do Amaral) isso não poderia ter virado produto da indústria cultural no mundo e a adesão disso na Identidade cultural da sociedade e por consequência a banalização. Seria uma experiência interessante praticar sexo apenas uma vez por ano. (...) (Teve uma parte do comentário que decidi cortar por violar a integridade moral de algumas pessoas).

Wellington Nardes disse...

Esse trecho que viola a integridade moral dos outros interessa bastante a Academia de Escritores. Não temos "rabo preso" com ninguém, muito menos papas na língua. "Mostrar os dentes" a toda hora não é a intenção. O que se busca é a verdade, doa a quem doer e sabendo das adversidades de opinião e posição porque relacionamentos amenos deixemos para pessoas que gostamos de verdade. Solano, publique, por favor!

Abraço

Solano Knoblauch disse...

(...)Mas a afetividade existe também entre amigos nós dois somos afetos Wellington, o Victor e eu... tu e o Adriano Assis e isso não está relacionado ao sexo, fiquei com uma pontinha de duvida agora. Hehe brincadeira, não está relacionado. Ou está? Não neh? Claro q não!

Robson disse...

nossa o comentário do Solano está com razão.Agora me assustou Wellington Nardes. Já tinha percebido isso em seu texto.
"(...)Mas a afetividade existe também entre amigos nós dois somos afetos "...
Amigos, néah???Sim !Espero.Nada mais do sentimentos de amigos !

Wellington Nardes disse...

Claro que apenas amigos. Talvez Robson, você não tenha entendido em determinado momento a pontuação do comentário de Solano, outrora, inclusive dissera que noutros textos de minha autoria encontraste trechos que dizem respeito ao assunto e que, de forma, anônima, involuntária e enigmática pudesse comprometer a integridade moral através dos protagonistas envolvidos. Entretanto, aguardo inquietamente, Robson, que trechos de meus textos, aliás jamais publicados, sejam compilados e obviamente com a citação para confirmar tal comentário. Segue trecho do meu texto "A afetividade entre os terráqueos apenas existe entre pais e filhos, e padrinhos e afilhados, porque as demais relações apenas coexistem para que pratiquem o instinto selvagem herdado de nossos ancestrais, instaurando a cultura da pornografia desenfreada, patrocinada e incentivada pela publicidade nos mais diversos veículos de comunicação de massa que atendem aos interesses mercadológicos sem ética e estética e promove a pornografia no patamar de terceiro negócio mais lucrativo do mundo.", mas isso não quer dizer nada além de que amigos, namorados e outros muitas vezes vivem seus respectivos relacionamentos pela presença ou pela possibilidade de, do sexo que satisfaça os prazeres da carne. Como o assunto é amizade, já ouviram falar que não existe amizade entre homem e mulher? Talvez justifique. Porque se entende que entre amigos do mesmo sexo não hajam essas atrações.
O que me deixa feliz é saber que o blog mesmo pouco divulgado até o presente momento está fazendo o maior sucesso, imaginem quando fizermos uma divulgação eficaz! Toda essa polêmica, ironia e sarcasmo só está começando.
Sucesso graças ao talento notório de pessoas como Robson e Eduardo.
E a bola continua quicando para demais comentários...

Wellington Nardes disse...

Solano meu caro! Talvez seja importante um outro comentário publicado para esclarecer o tom do último comentário que acredito ser, uma brincadeira, aliás comum entre amigos. Um possível haha talvez já caracteriza isso.

Solano Knoblauch disse...

Seguramente o comentário que eu fiz foi um sarcasmo embasado nos dizeres que o meu amigo Wellington afirma que “A afetividade entre os terráqueos apenas existe entre pais e filhos, e padrinhos e afilhados, porque as demais relações apenas coexistem para que pratiquem o instinto selvagem” (Eu não concordei). Entretanto partindo dessa premissa exposta pelo Wellington podemos concluir em uma amizade de amigos que: Ou os amigos são afetos porque existe a possibilidade de sexo na amizade ou os amigos são amigos, porém não afetos. O Wellington não me apresentou a teoria dele que comprove isso, mas quanto às brincadeiras, como o Wellington mesmo costuma dizer... “Quem possui harmonia para ironizar é porque se garante”.

Wellington Nardes disse...

E é justamente por isso que mantive todos os comentários, na íntegra. 'Quem tem harmonia para ironizar é porque se garante"

Victor Fernando Pereira disse...

Para uma compreensão plena do seu texto e para poder comentá-lo de forma completa, eu gostaria de saber qual a definição que você dá para AFETO (que segundo o texto só existe entre pais e filhos e padrinhos e afilhados) e qual a análise que você faz de outras relações então, como entre amigos, irmãos, tios e sobrinhos, primos, etc.

Wellington Nardes disse...

Vamos esclarecer! Porque se há dúvida, a mesma refere-se a minha opinião sobre os outros relacionamentos que não sejam entre pais e filhos ou padrinhos e afilhados.
Os relacionamentos entre irmãos, primos,amigos,tios e sobrinhos,e outros que por ventura possam existir não são tão intensos, verdadeiros e abnegados quanto o amor dos pais pelos filhos e dos padrinhos pelos afilhados. Os mais diplomáticos, outrora demagogos, diriam que são amores diferentes em dimensões diferentes. Concordo. Mas a comparação que proponho diz respeito a todos os amores como se estivessem na mesma dimensão porque essa mesmice de repetir sempre que são amores em dimensões diferentes me enoja. Digo que afeto mesmo só exista nesses relacionamentos entre pais e filhos ou padrinhos e afilhados porque, por um acaso, você daria a vida por irmão, por um primo, por um amigo, por um sobrinho, ou viu alguém que o tenha feito? Não, mesmo que diga sim é não. No trecho que diz que os demais relacionamentos coexistem apenas para que pratiquem o institnto selvagem herdado de nossos ancestrais, quis dizer, através de uma crítica às pessoas que confundem o relacionamento através de segundas intenções. É o caso do tio apaixonado pela sobrinha, do garoto que sonha em seus momentos de justiça com as próprias mãos com a prima de quinze anos e assim continua enquanto a vida segue. (Bordão do Paulo Alceu, para não dizerem que não fiz citação). Claro que existem suas exceções, assim como toda regra, mas em suma e por consenso é isso. No entanto, não querendo em momento nenhum fugir de qualquer situação embaraçosa, digo que também acredito nesses relacionamentos entre irmãos, primos e amigos, muito embora saiba com base na experiência apreendida nos quase vinte invernos que muitas vezes são complicados.
Para terminar, dois últimos detalhes; primeiro que existem trechos ainda mais polêmicos nesse texto que também podem ser abordados nas discussões. Esse trecho pode ter gerado tal polêmica, mas agora espero ter esclarecido com todos os pingos nos is. Segundo, não querendo chateá-los caros universitários que aqui escrevem, mas talvez o embasamento científico das premissas das teorias que aqui expunha sejam entendidos, mesmo que eu saiba da capacidade intelectual de todos, apenas quando estiverem na posição de pais ou de padrinhos. Aí entenderão!
Volto na segunda-feira porque estou de folga por dois dias, mas procurarei qualquer ponto de internet que satisfaça, pelo menos provisoriamente, meu desejo incessante de acompanhar minuto a minuto as discussões em torno do meu texto. Agora vi o quanto um texto pode ser polêmico quando as pessoas intepretam de outra forma aquilo que você escreve, mas a inteção é essa: liberdade de expressão e opinião. Quando publicar determinados textos tenho a certeza de que correrei o risco de ter que exilar-me por pelos menos dois anos visto o tom ameaçador aos princípios e opiniões de alguns. Obrigado Eduardo, Robson, Solano e Victor pela opinião. Um mundo melhor se contrói com pessoas críticas como vocês.Um forte abraço a todos! E a bola continua quicando...

Eduardo Silveira disse...

Nossa...de lá pra cá...muita coisa foi discutida. Mas, me parece, com esse ultimo comentário ficaram esclarecidas as dúvidas até então levantadas. (exceto aquela das citações ainda publicadas...hehe)
Acho que afeto é um sentimento muito comum. Sinto afeto até por pessoas desconhecidas. o afeto não é profundo como o amor (caso dos pais e filhos, e provavelmente-não afirmo pois não sou padrinho- entre afilhados e padrinhos). Também não exije reciprocidade como faz a amizade. Afeto é afeto: querer-bem.
E digo, por experiência própria, que há amizades tão fortes (inclusive entre pessoas do mesmo sexo) que só não chamamos de amor, porque não há as manifestações concretas (beijos e tudo mais).
A natureza humana é um mistério.
E como eu já disse pra vc Wellington...eu só sei da minha! haha

Wellington Nardes disse...

Sim, Eduardo, seu conhecimento lingüistico é incrível. Se é que me entende. (Comentário sobre trecho final do comentário de Eduardo que diz "A natureza humana é um mistério.E como eu já disse pra vc Wellington...eu só sei da minha! haha")