sábado, 19 de setembro de 2009

Aviso aos navegantes

A equipe da Academia de escritores avisa que esse blog ficará desatualizado por um certo tempo.
O retorno será breve.
(ou melhor, sabe lá quando)
Estamos reformulando algumas coisas e nos dedicando a outros projetos.

Fica o aviso para aqueles que visitam o blog pela primeira vez. Aos velhos visitantes, nós mesmos avisaremos quando acontecer o retorno.

Grande abraço!
e Aguardem!

Wellington, Robson, Manoel e Eduardo.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Nihil sub sole novum

Falar da decadência da educação, hoje em dia, é como chutar cachorro morto. Sabemos muito bem o que está errado, e o que deve ser feito. Fala-se em despreparo dos professores, muitos deles desatualizados, que não possuem uma formação contínua. Fala-se em salários baixos, estruturas escolares precárias. Reclama-se da falta de participação dos pais na vida escolar dos filhos e do descaso do governo. Enfim, sabemos que tudo isso, misturado, resulta no grande problema da educação brasileira.
Essas questões, todas consideradas de grande importância, geralmente ofuscam uma outra que é tão relevante quanto aos outras para a construção de um sistema escolar eficiente: os conteúdos lecionados.
Em 1976, o geógrafo francês Yves Lacoste publicou uma obra intitulada "A Geografia - Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra". E claro, seu título gerou muita polêmica. O que Lacoste queria com isso, era demonstrar sua preocupação com a utilidade da disciplina Geografia nas escolas e universidades. Lacoste sabia que a Geografia vinha se tornando uma disciplina morta, como o Latim, que serviria exclusivamente para uma descrição (mantida pela famosa decoreba) do espaço geográfico: relevos, nomes de bacias, formações rochosas,países e suas capitais. Passados mais de 30 anos, notamos avanços na disciplina Geografia. Está cada vez mais incorporando os aspectos da Sociologia, História, Economia e outras áreas de estuda, para avaliar, além da descrição do espaço, a forma como o homem vem se organizando nesse espaço, ou melhor, no planeta.
Porém, as grades curriculares de muitas escolas continuam a exigir conteúdos absurdos aos alunos. Conteúdos que de nada servem, a não ser prepará-los para passar no vestibular. Recentemente, o governo federal alterou a proposta do Enem, com o objetivo de substituir o famigerado vestibular. Essa nova proposta é um avanço, mas está longe de acontecer. Enquanto isso, nossos alunos são massacrados com uma avalanche de inutilidades.
Qual a utilidade em saber a nomenclatura dos hidrocarbonetos? Os nomes dos elementos pertencentes à família dos gases nobres? A utlidade em saber em que data os holandes invadiram Pernambuco? O conceito de sintagma? Matrizes e Determinantes?
A grade é ruim. Matérias são jogadas ao vento. Os alunos se perguntam "para que isso?" e ninguém os responde. O conteúdo deve fazer sentido para o aluno. Ele não é uma tábula rasa. Sabe o que quer aprender. Quer conteúdos interessantes, que estejam ligados entre si, que estejam ligados à sua vida e à sua sociedade.
De quem é a culpa por tudo isso? Os professores e a direção, desatualizados todos? Antes de botar a culpa somente neles, é preciso lembrar que professores e diretores são guiados pelas currículos elaborados pelo governo. A mudança de atitude deve começar pelos Programas Nacionais Curriculares. Além de modernizar suas concepções, o governo deve garantir a aplicação de tais concepções, daí a importância da valorização dos projetos de formação continuada. Não só nas escolas primárias e secundárias: deve também reoorganizar o sistema universitário, pois ele é quem faz a manutenção desse sistema, lançando, todos os anos, mais professores no mercado.
O vestibular precisa mudar seu formato urgentemente. Mas ele não é o protagonista desssa história. É só um, dos muitos sinais de que o sistema de educação brasileiro é arcaico. Que isso mude logo. Ninguém aguenta mais chutar, digo, aprender conteúdos mortos. Enterremos de vez esse sistema em putrefação.
Eduardo Silveira

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Perdão!

Acordo. Olhos assustados. Corpo – suado, tremulo. Chuva. Raios, trovões. Na janela, as gotas pintam o desespero. Arrepios. O medo percorre o meu corpo.
O silêncio, cortado pelo grito dos trovões. Paredes e piso sólidos. Mas gelados. Um calafrio. No espelho, medo. Angustia. E nos meus pensamentos, bombardeios de solidão.
Mesa, cadeira. Café – forte e frio. Pão – seco, sem gosto. Tudo parece olhar-me e o medo perturba-me.
Novamente o silêncio.
Agora, interrompidos por um barulho que lacrimeja o meu ouvido. O telefone... e a noticia.
Uma erupção de palavras queima os meus pensamentos. E agora? Que sentido faz? Por quê? Uma lágrima... Agressões, medo, angustia, opressão, tristeza e... culpa. Consomem o meu corpo. Fico fraco, leve, sem rumo. A minha vista escurece. Nada mais tem sentido, nem cor, nem nada. Quero gritar, pedir por ajuda, mas as palavras não vêm, não obedecem a minha vontade. A escuridão chega...
Lentamente abro os meus olhos. Sinto meu corpo – fraco, cansado. Procuro alguma luz. Lá fora, apenas a noite e a escuridão da cidade. A chuva, os raios, os trovões. Nisso um retrato. Perdido entre um manto de poeira. Desperta-me forte lembrança e uma dolorosa saudade. Mais uma lagrima. Culpa. Retrato, tesoura, retrato. Silencio. Trovões.
O cansaço chega e vai me carregando. Cama, travesseiro, cobertor. Os meus pensamentos mergulham nos meus sonhos – escuros, sombrios. No seu infinito: a luz. É meu pai, carregado por anjos. A ele um único pedido: Perdão! Trovões. E tudo se perde, desaparece. Segue outro rumo. E retorna para a nebulosa escuridão.
Silêncio. Trovões...

Robson Rodrigo dos Passos

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Prato principal

É impressionante o gosto do brasileiro, não que pizza não seja uma boa pedida, mas tudo acabar em pizza é uma humilhação para toda a sociedade.
Vemos o que acontece e simplesmente ignoramos, comenta-se algo referente desvio de verbas e falcatruas no senado, no entanto apreciamos isso como uma estupenda obra de Monet, que transmite através de pinturas impressionistas, emoções reais e sentimentos de calma e sensibilidade.
O tão conhecido pão e circo dos Romanos, não é novidade entre os Brasileiros, que se iludem com reality shows e copas do mundo, engraçado que as eleições sempre são realizadas no ano da copa, porque será? Presidentes já foram depostos, greves para melhorias nos direitos dos trabalhadores já foram realizadas, ei, onde estão os caras pintadas que em décadas passadas lutavam pelos seus direitos?
Provavelmente compõe uma família, na qual os ideais dos filhos não foram herdados dos pais, que se indignavam com a vergonha e desigualdade que enfrentavam - bem ao contrário do que acontece atualmente - saiam às ruas para libertar os sentimentos que angustiavam, através de berros e manifestações que marcam até hoje a história de nosso país.
Certamente neste instante, o roncar do estômago de uma criança atordoa seus pais, que não tem nada a dar para o filho comer; Infelizmente essa é a realidade da nossa nação, pessoas humildes passando fome, aumentando assim o índice de desnutrição, enquanto alguns políticos literalmente dançam e agraciam-se com palavras de baixo calão. Sem esquecer-se da indignação de todo um povo, que paga seus impostos e taxas para melhorar o país e somente o que recebe em troca é o aumento dessas. Por outro lado, os que desviam milhares, ou seja, as nossas contribuições, para paraísos fiscais, são questionados em CPIs e o que acontece... Absolutamente nada, os casos são absolvidos ou arquivados.
Falar de igualdade no país que é provido de riquezas naturais é como falar da França e esquecer seus castelos e os conceitos Iluministas que revolucionaram toda uma nação; Somos agraciados com o verde das matas, o amarelo do ouro que reluz um povo solidário, e o azul das belas águas que banham toda uma terra cheia de lutas e glória, no qual o progresso é imperador e a ordem é apenas o bobo da corte.
O que mais me repulsa é saber que somos os culpados por acreditarmos nas mentiras e devaneios que esse reles políticos nos prometem, existem as exceções, no entanto os que deveriam dar o exemplo – aqueles que possuem um cargo mais alto – não o fazem, acabam por se prostituírem perante a ambição de ganhar cada vez mais dinheiro e construir luxuosos castelos, enquanto parte da população mora em casinha de taipa e não consegue matar o mostro que tanto às atordoa, a fome.
Quando entendermos o verdadeiro significado de um país justo, compreenderemos então, que dentro de uma nação na qual todos os cidadãos são solidários, que se comovem com o próximo e ajudam nas dificuldades enfrentadas - como foi o caso das enchentes por todo o território nacional no final de 2008 e início deste ano - entenderemos que a pessoa que nos representará no governo não precisa ser Doutor, em fato, deve sensibilizar-se com a cultura de comida, educação e dignidade.
Só assim a apoteose nacionalista de ordem e progresso terá um propósito real.
Manoel Farias

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Eu, Truman e a Teoria Crítica

Sete da manhã. Punha-me debruçado sobre a soleira da janela do sexagésimo sexto andar da torre de Potosí (Bolívia), a cidade mais alta do mundo. Nas mãos seguro uma lupa que redireciono para todas as casas, apartamentos e residências dos conjuntos habitacionais da terra. Como se houvessem gigantescas máquinas repetidoras, as pessoas parecem submetidas às mesmas atitudes. Acordam, lavam o rosto, urinam, banham-se, vestem-se (todos com roupas muitíssimo parecidas), põem-se à mesa e simultaneamente assistem TV, levantam-se, pegam a mala, vão ao ponto de ônibus, enfrentam fila e vão ao trabalho, trabalham e voltam ao ponto de ônibus, vão para casa, banham-se, assistem a novela das oito e dormem. No outro dia acordam, lavam o rosto, urinam, banham-se, vestem-se (todos com roupas muitíssimo parecidas), põem-se à mesa e...
Tais cenas xerocadas cotidianamente dão-me uma revolta descomunal ao ponto de gerar uma vontade de em poucos segundos confirmar numa contagem decrescente o número de andares da torre. Por que sou escravo da indústria cultural? Por que sou submisso aos meios de comunicação de massa? Por que permito uma manipulação desmedida? Por que permito uma persuasão sem escrúpulos? Por que permito uma influência descabida, mentirosa, vulgar e obrigatória? Manipulação, persuasão e influência tão intensas sobre mim que até parece que a sensação de liberdade pelo vento impetuoso e ameno que espalham meus cabelos no alto da torre é ocultada pela sensação de prisão numa cela suja com grades maiores que uma jaula de leão vendo o sol nascer quadrado pela janela. E metaforicamente a janela é TV que parece ser um cabresto para meus raciocínios tornando-me protagonista do quadro Abaporu de Tarsila do Amaral ao filosofar analiticamente sobre minha forma de consumo dos produtos oferecidos pelos meios de comunicação de massa.
E será que ao apreciar o cenário no alto dos duzentos metros da torre posso acreditar mesmo que, como Truman, não sou protagonista de um reality show? Será que alguém fosse mesmo capaz de construir um cenário desse tamanho? Logo saio pelas ruas de Potosí, passo por Nova Yorque, atravesso o atlântico, chego à Moscou com a esperança de descobrir o fim, se é que existe, de fato, Nova Iorque, o oceano e Moscou. O filme “O show de Truman” protagonizado por Jim Carrey conta a história de um vendedor de seguros, que vive desde o nascimento vigiado por câmeras de televisão, vinte e quatro horas por dia. Um reality show, mesmo, onde Truman é mercadoria e vítima de um sistema impostor e dominador, que procura atender seus interesses, impondo um modelo social permeado por uma falsa e ilusória ideologia. O programa é criação da indústria cultural, produzido do alto pelas instituições sociais dominantes que determinam o processo de consumo, instaurando na audiência uma reação automática e irreflexiva perante àquilo a ser consumido. De forma acrítica os telespectadores consomem os padrões de consumo, tendo como objetivos principais a venda de mercadorias e o lucro acima de tudo, não importando a qualidade do produto, nem se estão sendo dignos com a humanidade e a sociedade. Não importa como Truman se sinta, ele faz parte desse modelo forçado e assim deverá permanecer. Eis aqui um ponto fundamental do filme, mostrando algumas das fragilidades da teoria crítica.
As ilhas Fiji estão para Truman como a sociedade crítica livre da dominação está para a Teoria Crítica. Para teoria crítica a academia não desenvolve integrantes de uma sociedade autônoma, independente e livre das imposições da indústria cultural de massa ao estudar disciplinas com muita especificidade porque dessa maneira não há uma compreensão global da sociedade e as pessoas são submetidas apenas à manutenção das ordens sociais que estruturam a sociedade desde as praticas culturais adquiridas ao longo dos séculos ao sistema financeiro eminente. E assim como quase toda teoria é uma utopia continuo enquanto teórico procurando as Ilhas Fiji da Teoria Critica. E como não tenho coragem de desafiar a gravidade do alto dos sessenta e seis andares da torre espatifando meus pobres quarenta e nove quilos na avenida central jogo pela janela as vinte e nove polegadas daquela caixa preta com um V acima como gesto concreto da minha revolta.
Wellington Nardes

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Pressa pressa


Pressa Pressa, vamos nessa. Depressa depressa, não me estressa. Vai, vai. Café com pão café com pão. Eu preciso ser rápido. É meia-noite. Já estou dentro da segunda-feira. Ó, meu Deus, como o tempo passa. Preciso ser rápido; acabar esse texto. Preciso dormir. Antes, preciso escovar os dentes. Tomar banho. Preciso amar. Mas calma. Vou devagar. Devagar como um louco. Sereno como um assassino puro.Vida. O que temos feito dela. O que temos feito com ela. O mundo tem girado cada vez mais rápido. Time is money. Hurry is money. Nunca o tempo foi tão contado. E nunca foi tão perdido. Vive-se o amanhã, o dia depois de amanhã. O mês que vem. Financiei minha vida em suaves prestações. Juro? É especial: um pouco de morte vai se somando.Foi-se a espera. Foi-se a paciência. Jantamos o porvir todas as noites. Jogamos fora todo o nosso hoje. O passado é sempre museu.A poesia resiste. O erotismo cedeu. Pornografia é o negócio. Mais rápido, depressa, sem enrolação. Time is money. Sex is money. Pra que tirar? já venha sem! Pra que pensar: aja, faça. A noite resiste, O dia insiste. Troca-troca. O dia resiste, a noite insiste. Insônia insônia: dia e noite se comendo.Insônia, cada vez mais funda. Acorde, levante. Pense. Não pense. O que você deixará para seus netos? Você deixará netos? Você se deixará?. Previdência. Ciência: tudo novo de novo. Pense, repense. Aja, reaja. Corra corra. Morra morra. Tempo, tempo, mas que porra. Calendário. Despertador. Hora do remédio. Da novela. De lavar a louça. Ano que vem, vou comprar um carro. Vou ter um filho. Hora para escrever. Hora para estudar. Acorde-me às sete. Não se atrase. Em ponto. Daqui a dois anos, serei famoso. Vou ter um carro. Comprar um filho. Crônometro. Tabelinha. Ampulheta. Sol. Vamos nessa, entre no ritmo. Cada vez mais rápido. Mais rápido. Dane-se a calma, meu chefe é exigente. Esquecer a calma do louco. Abandonar a serenidade: mato e pronto. Rápido, barulhento. Ser normal é correr, ter pressa. Somos felizes. Sim, somos. Formigas loucas, baratas tontas. Vamos vivendo, levando, correndo.A vida é o passar do tempo: passatempo. A vida no fio. Na fila. Vamos, palavras, vamos que tenho pressa. Quero o amanhã, queremos o depois de amanhã. Infinito mais um. A morte é o brinde. Não tenho tempo. Corte linhas desse texto. Acelere mais fundo. Vai vai, time is time. Amanhã amanhecerei. Mais rápido. Fast-food. Fale mais rápido. Case mais rápido. Cadê meu café? Amanhã faço bodas de prata. Sim, eu serei famoso. Depressa, depressa. Três minutos de acréscimo. Últimos lances. O banco fecha, sempre, às quatro. De quatro. Tire logo essa saia. Follow me. Follow me on twitter. De novo. Mais rápido. Rapidshare. Rapidinha. Vamos, mulher. Seja breve, tenho pressa. Precoce. Ela já tem quinze anos. Estamos em 1999. Cinco, quatro três... três, sim, eu disse três. Três pães, menina! Ande logo! Tenho pressa, meu chefe é exigente. Vamos lá mundo, em sequencia, perfilados, café com pão café com pão. Pressa pressa, vamos nessa.Pressa pressa eu tenho pressa.
Eduardo Silveira

terça-feira, 28 de julho de 2009

O palhaço triste

Meio-dia. Os carros correm no asfalto em brasa. O sinal fecha. Alguns ignoram a luz vermelha, mas a maioria diminui a velocidade até parar. Os pedestres atravessam indiferentes. Os motoristas aguardam indiferentes. Da calçada eu sorrio para uma mulher muito atraente do outro lado da rua. Ela vira o rosto, indiferente. Todos parecem tão centrados em si, indiferentes, que eu me sinto um idiota pensando nos outros. Serei diferente? Não, não sou. Meu rosto é comum, meus pensamentos são comuns, meu trabalho é comum. Diferente, mesmo, é a vida desse palhaço à minha frente. Assim que os carros param, ele entra em ação: com o rosto maquiado, a roupa toda branca e preta, ele brinca com malabares. As peças descrevem no ar algumas piruetas, mas sempre no mesmo ciclo, o que faz os outros pensaram, erradamente, que aquilo não é nada demais. A simplicidade do ciclo faz as pessoas pensarem: "Com prática eu também faço isso". Mas eu garanto: eu não faço, e muitas das pessoas que supõe essa facilidade também não fariam o que ele faz. Sabe por quê? Retornemos ao início desse texto: é meio-dia. Um sol intenso nos obriga a andar cabisbaixos. Os pedestres estão com pressa. Os motoristas também estão com pressa. E o palhaço só tem alguns segundos para conquistar pessoas nitidamente indiferentes, e convencê-las da qualidade de seu trabalho. Não basta prática para ser um palhaço malabarista. É preciso muito mais. A começar por um coração forte, afinal, é difícil sorrir para pessoas que estão loucas para soltar em você todas as amarguras alimentadas até ali. Dar sorrisos por obrigação, coisa muito difícil. Mas esse palhaço que está diante de mim é muito bom. Parece feliz, acredita sinceramente que está feliz. No tempo certo, cronometrado pela mente, ele encerra a pequena apresentação e vai até o respeitável e indiferente público. Os carros mudam a cada apresentação, mais seus sentidos captam sempre as mesmas coisas: Vidros fechados, fumaças de escape, o som de moedinhas insignificantes caindo em sua mão, uma gota de suor descendo pelas suas costas, um “muito obrigado, senhor”, e como resposta, uma arrancada de pneus. Ninguém ri; ninguém aplaude; ninguém fala nada: ou dá uns trocados, ou pede desculpas, ou nem isso, simplesmente ignora completamente esse palhaço preto e branco.Os carros passam, os pedestres passam. O sinal abre e fecha a toda hora. Novos carros, novas pessoas: no fundo, são sempre as mesmas. E assim como os malabares descrevem sempre o mesmo ciclo, o malabarista também representa sempre a mesma cena, participa do mesmo ciclo. Por mais alegre que seja, o palhaço não consegue esconder a tristeza de sua função. Sorrir, sorrir. Sorrir para olhos indiferentes. Já é uma hora da tarde. Depois de muitas apresentações, o palhaço triste acumula certa quantia, que não consigo contabilizar daqui, mas sei que não é muito. Ele pára pra descansar na calçada oposta a onde eu me encontro. Está bem suado, mas a maquiagem é bem pesada e resiste. Por um momento, ele volve os olhos para o outro lado da rua e encontra os meus. Ou o palhaço tem os olhos tristes, ou então reflete em seus olhos a tristeza que esse cronista carrega nos seus. Talvez sejamos dois olhares tristes. Talvez. Reparo que ele se encontra no mesmo lugar que aquela bela mulher estava. Ela me ignorou com indiferença. Enquanto nossos olhos se refletem, eu arrisco um sorriso para o palhaço, como fiz para aquela mulher.Aguardo. Agora ele não está trabalhando, então verei se seu riso é, naturalmente, triste ou alegre. Vejo que seu rosto se contrai. Ele irá sorrir. Enfim, a revelação. O sinal, até então fechado, abre. Carros altos impedem que eu veja sua resposta. Ônibus e caminhões, carros em alta velocidade. Não diviso o jovem palhaço. O sinal fica amarelo. Os carros se acalmam. E os motoristas, estacam com suas indiferenças amarelas. O palhaço já saiu da calçada. Ágil, já está sobre a faixa de pedestres, brincando com seus malabares. Espero, como uma criança que vai ao circo pela primeira vez, o olhar do palhaço. Nada. Segue em sua loucura, na sua alegria demasiado racional para ser sincera. Palhaço triste e mentiroso. Criança que sou, saio desapontado. Vou caminhado pelas calçadas, com o sol ainda quente sob minha cabeça. Sem olhar pra trás, vou pensando no que teria acontecido durante aquele espaço de tempo. Aquela lacuna entre poucos segundos. O que haveria entre o meu sorriso e o esverdear do semáforo?Tristeza ou alegria? Minha intuição apontava a tristeza. Mas eu não a vi. Não podia afirmar.Continuava caminhando, e aos poucos de curiosa criança passei para o adulto desencantado que sou.--- Não, vou afirmar. Era de felicidade. Tem que ser felicidade, não pode haver palhaço triste.Dito isso para mim mesmo, parei. Estava diante de outro semáforo. A luz estava vermelha. Atravessei a rua com outros pedestres. Decidi esquecer o palhaço e juntei-me à massa dos indiferentes.

Eduardo Silveira